domingo, 29 de maio de 2011

Casada Com A Noite

No post anterior fiz uma análise mais jornalística do novo álbum de Lady Gaga. Agora, transcorrerei sobre o álbum num âmbito mais pessoal, considerando minhas percepções e viagens sobre a obra.

Como mencionei anteriormente, a visão de Lady Gaga para Born This Way [BTW] apontava para a criação de uma nova raça, como descrito no vídeoclipe do primeiro single, a música homônima ao álbum.

Particularmente penso que música Pop deve ser ouvida sob influência - qualquer uma. Sei, por exemplo, que Gaga compôs maior parte do álbum regada a uísque e maconha. Então, numa audição "influenciada" do álbum com Purki, percebemos o quão religioso o ele soa - daí a minha analogia com religiosidade e arte sacra, na review anterior, que tentarei desenvolver numa descrição faixa a faixa.

Seguirei a tracklist da versão deluxe do álbum. Obviamente é recomendável que se leia isso ouvindo-o.



Mary The Night [MTN] - Vocais quase a acapella, piano e órgãos. Quer prova maior do tom religioso do álbum quando ele é iniciado com esses elementos?
Aqui Mother Monster assume seu caso de amor com a noite, o ambiente no qual se passa sua história. BTW é um álbum escuro e talvez seja um dos meus pontos favoritos da obra. Lady Gaga referencia e incorpora os elementos entorpecentes da noite: o perigo, entorpecentes como o álcool, a guerreira-rainha que conquista as ruas com sua figura pecadora... a prostituta.
É uma faixa de abertura em essência, pois MTN tem um tom convidativo ao amor livre - base desse mito criado por Gaga. Apesar de recheada com clichês verbais ["I'm gonna lace up my boots/Throw on some leather and cruise/Down the street that I love/In my fishnet gloves/I'm a sinner"] e melódicos [os riffs de guitarra e backing vocals que remetem à música Gospel norte-americana], MTN realiza bem o papel ao qual se presta: chamar sua atenção e te fazer levantar e correr livremente - especialmente na conclusão. [Ótima música para aquecer na esteira da academia.]


Born This Way - "Não importa se você ama a 'ele' ou a E-L-E maiusculo. Apenas ponha suas patas para cima, porque você nasceu assim baby." BTW, a canção, é um manifesto à auto-aceitação e o amor próprio. Longe de se tornar o hino a que se propõe ser, BTW tem, a vantagem de ser uma faixa ultra empolgante. O refrão é infeccioso e a letra é perfeição pop - ou seja, ótima para cantar-gritar-rebolar.
Ao contrário da maioria, se fosse compará-la a alguma música de Madonna, o faria a Ray Of Light [ROL], não a Express Yourself [EY]. Produção a BPMs frenéticos? Sim. Guitarra acelerada de fazer as solas dos pés pularem? YES! Incontrolável remissão à pista? YEEEES! Repare como, tal qual Madonna em ROL, Lady Gaga começa sóbria, parte para uma batida esquizofrênica, atinge um certo tom moderado [no rap] e retorna ao bate-cabelo. Para mim, a única parte que remete a EY é a percussão na ponte para o final que contém caneca.
A conclusão é épica, sussurrada - quase inaudível - como se desse tempo para, na boate, jogarmos os braços pra cima e respirarmos. Por isso tenho um feeling de que essa música será grande na história.


Government Hooker [GH] - Aqui Gaga descreve pela primeira vez a personagem e protagonista da trama deste mito: a prostituta que tem como objetivo te servir. A diferença entre ela e as demais é: a prostituta oficial, institucionalizada - portanto, government hooker. Faz algum sentido? Não, mas por saber que você a ama, ela beberá as próprias lágrimas, será garota, sexo, mãe... contanto que você pague. Este é um traço interessante desse conceito de BTW: nada vem sem consequencias e ônus. Gostando ou não, Lady Gaga é uma provocadora e, por isso não pode ser desconsiderado da avaliação de  sua música.
A abertura dramática remete ao canto sacro, Ave Maria, especialmente quando ela canta em italiano ["io retorne", "eu retornei"], e cai numa batida imponente, obscura e definitivamente viciante.


Judas - Muito se falou sobre essa canção. Particularmente, ao ser lançada [tanto música quanto clipe], a descartei por ser muito parecida com Bad Romance [ambas compostas em parceria com RedOne] e pensar que a evidente polêmica religiosa era caminho fácil e datado para chamar a atenção. Quem nasceu "Judas" nunca será Like A Prayer.
Contudo, hoje, penso e sinto a música de maneira diferente. Mais que a recriação do relacionamento entre Maria Madalena e Jesus Cristo, a "Judas" de Lady Gaga é um comentário sobre as escolhas amorosas da mulher independente da modernidade. Ela me faz lembrar um episódio da primeira temporada de Sex And The City, no qual Carrie questiona se a mulher novaiorquina é viciada em homens que a tratam mal.
Lady Gaga, a auto-denominada "otária sagrada", diz:
I wanna love you, 
But something's pulling me away from you 
Jesus is my virtue, 
Judas is the demon I cling to 
I cling to
Apesar de safa e repetitiva em sua carreira, a batida dessa música é extremamente eficiente - principalmente quando se está bêbado sob as discolights. Gaga canta em autodepreciação - nos versos e rap -, já o refrão e ponte são doloridos. É dramático como Gaga e isso já é o bastante para me conquistar.


Americano - Uma mistura de tarantella italiana com descaradas letras em espanhol, Lady Gaga traz o Pop Latino-feito-por-norte-americanos com um tom despretensioso e divertido. Esqueça Alejandro com sua vibe La Isla Bonita, "Americano" é de te fazer pular e rodopiar, porque, assim como Gaga, você não vai entender nada do que seu amante está falando, você só quer saber de beijá-lo.


Hair - Mais um manifesto de liberdade, o eu-lírico de Gaga é aqui uma criança que sofre de abuso infantil.

Whenever I'm dressed cool,
My parents put up a fight.
And if I'm hot shot,
Mom will cut my hair at night
And in the morning,I'm short of my identity.
I scream "Mom and Dad,
Why can't I be who I want to be?"
A esse ponto do álbum você certamente já está cansado dessa pregação a uma liberdade platônica e adolescente, querendo pegar esse moleque pelos cabelos que ele tanto ama, chacoalhar e gritar: "CREÇA E APAREÇA!"
Mas eu não quero que você siga por este caminho. Pensemos nas músicas deste álbum pelo que elas podem causar sensorialmente. "Hair" pode ser um hino adolescente bobinho, porém há uma qualidade na música que é, no mínimo, empolgante. Aqui sua voz é suave, beirando uma inocência que é, no fim das contas, agridoce - pois você sabe quão pouco realista ela é.
"Hair" soa como faixa de musical e pensar em Glee pode não ser de todo o ruim porque, talvez, esta seja a única música que se feita pelo insuportável hit da televisão americana soaria como uma canção original.
O saxofone de Clarence Clemons é a cereja da música, lindamente colocado em companhia ao piano de Gaga.


Scheiße - Exatamente hoje, li no Facebook de Gaga:

"Fui a uma festa suja em Berlim e escrevi SHEIßE no dia seguinte. É sobre ser ousado sem permissão. Merda."
Não preciso de explicação melhor sobre a música. Apenas endosso que Lady Gaga, com ela, atingiu perfeitamente o intento da obra: "Scheiße" ["merda" em alemão] te transporta imediatamente para algum inferninho sujo, escuro e estourado em estrobo de Berlim assim que ela começa a cantar em loop esse refrão em alemão-falso, no melhor sotaque a lá Marlene Dietrich. Quando a imunda batida industrial chega você já não mais se pertence.
Minha música favorita do álbum, ela invariavelmente remete ao clima obscuro de Sex, obra literária erótica lançada por Madonna em 1992, e é tudo o que Christina Aguilera queria que seu álbum Bionic fosse: não necessariamente revolucionário, mas ultra excitante.


Bloody Mary [BM] - A prostituta está de volta para contar sua história. Evocando, mais uma vez, Maria Madalena, Lady Gaga despe sua personagem, revelando suas inseguranças, e o quanto sua própria generosidade para com o outro a machuca.
Mais uma vez Gaga é excelente em interpretação vocal, imprimindo em BM um tom sério o bastante para te fazer prestar atenção em sua pregação, para posteriormente exorcizar sua dor em falsetes que, eficientemente, exprimem o sofrimento contido do eu-lírico.
A letra constrói toda atmosfera frustrada da Bloody Mary, a mulher que amou profundamente o líder e foi exilada por todos após a partida dele. Ela, contudo, é a única que vive até hoje sob a sombra e peso do ser humano que ele era - que apenas ela conhecia.
Ao meio da canção, um canto gregoriano sintetizado nos lembra que é dela própria que Gaga está falando durante todo o tempo. Este canto prepara para o ápice da canção, que é a repetição de refrão como uma sensação de ultimato, finalizado com Gaga, cantando em agudo, "liberaté" - liberta-te.
É uma faixa épica, dolorosa e sangrenta que ouvidos mais afoitos quererão passar adiante. Eu, simplesmente amo.
A música é o marco da segunda parte do álbum que é mais introspectivo. A partir daqui, a fusão entre a carne humana viva e o metal forjado e frio está quase completa, as músicas serão mais obscuras, mantendo as batidas e sintetizadores sujos de "Scheiße", aliados a riffs de guitarra bem mais Rock do que Pop.


Black Jesus † Amen Fashion [BJ] - Lady Gaga conta sua história como jovem e artista aspirante ao estrelato em Nova York, cidade da moda e consumo como religião. É uma faixa Pop adorável, cantada por Gaga com um certo naivité e relembra a batida House de Vogue. Mas destoa do resto do álbum e funcionaria melhor como uma bônus ao final.


Bad Kids [BK] - Mais um manifesto... KA-BUM cala a boca Gaga! Mas não, essa música é - por falta de palavra melhor - fofa. Na letra Lady Gaga descreve a raiva rebelde de qualquer jovem socialmente desajustado e, assim, fica claro que Gaga, neste álbum, tem olhado mais para seu passado e juventude do que o futuro e presente contidos em The Fame/The Fame Monster. Pode-se achar isso tedioso, mas em termos artísticos, e até mesmo pessoais, é perfeitamente compreensível e aceitável.


Fashion Of His Love - Que ano é hoje, 1987? Essa é a música mais oitentista que Lady Gaga já fez. Remete, rapidamente, a True Blue, de Madonna, e é nada mais, nada menos que fofa.


Highway Unicorn (Road To Love) - Montada para ser uma epopéia Pop sonora, esta faixa, por algum motivo, falha em entregar o que promete. Gaga continua evocando o poder do "seja você mesmo" e talvez por isso ela soe um pouco enfadonha. Contudo, é uma faixa que cresce em você conforme se escuta o álbum outras vezes. Ademais, acho adorável como ela relaciona a pureza do unicórnio com guia na busca pelo amor, na eterna procura por um lugar melhor que onde se está.


Heavy Metal Lover - Lady Gaga descreve nesta e na canção seguinte o ambiente no qual seu mito acontece. Sujo e distorcido, um lugar onde todos parecem buscar a inocência esquecida por caminhos anteriores, mas que não renegam a realidade crua ao seu redor: "Dirty pony I can't wait to hose you down/You've got to earn your leather in this part of town". Os versos têm vocais distorcidos em vocoder e, quando ela chama pelo amante cru e pesado, é apenas calma e tranquila, dizendo que será sua garota, mas questionando sua capacidade de amá-la caso ela fosse quem dominasse o mundo.
É uma canção melancólica tanto em letra quanto em melodia, que tem uma dinâmica decrescente fantástica que, como disse acima, descreve o espaço no qual acontece o tórrido caso de amor.


Electric Chapel [EC] - Conforme se encaminha para o fim da história, "Born This Way" se torna ainda mais eloquente, mas suave, como o solo de guitarra contido nesta faixa. Por isso é superficial analisá-lo com a rapidez de quem parece somente ouvir as faixas-single, pois são nas faixas menos celebradas que Gaga descreve melhor sua visão.
EC é o único local, sagrado e seguro, onde Gaga/Bloody Mary/Mother Monster se entregaria ao "Heavy Metal Lover". E que fantástica atmosfera ele tem! Vocais serenos e o retorno do órgão, presente em MTN, mas calmo e sublime.


The Queen - Mais uma faixa que seria melhor colocada como bônus, soa como aquele número musical que o diretor deveria ter cortado da versão final do filme. Mas é interessante o quão próxima do Rock clássico ela é e, talvez, ela cresça em mim.


Yoü and I - Perfeita! Com toda a sua atmosfera Blues/Rock, é onde Lady Gaga dá um show de interpretação vocal, numa canção que soa como um hino bêbado e rock 'n' roll ao amor eterno, evocado pela figura de algum "Nebraska guy". Aqui Lady Gaga possui uma pungência emocionante, especialmente porque tanto sua voz quanto o arranjo estão despidos de produções e maquiagens.
É o ápice do álbum que se prolonga até seu final, na canção seguinte.


The Edge of Glory - "The Edge of Glory" é uma obra-prima, o verdadeiro hino Dance do disco. Ela contém todos os elementos necessários para fazer da pista de dança um lugar glorioso e mesmo que definitivamente se pareça com tudo mais que você tenha ouvido, nada disso tira a urgência da felicidade que a música traz - o que é irônico, pois ela foi escrita um dia após o avô de Gaga ser enterrado.
Contudo, para mim, não há homenagem melhor a alguém que morreu do que uma canção que evoque felicidade e vontade de dançar. "The Edge of Glory" começa sublime, num eco quase espiritual, que acompanha a introdução da batida. E quando você acha que já ouviu tudo, Lady Gaga mete um solo de saxofone (mais uma vez, Clarence Clemons que era ídolo do avô da Gaga) que é capaz de arrancar lágrimas de você.
É a música mais emocionante do álbum e vai ser um MONSTRO nas pistas, pode apostar.

sábado, 28 de maio de 2011

Heavy Metal Gaga


Born This Way [BTW] foi lançado segunda-feira e - durante o tempo que tive de uma semana freneticona - li críticas interessantes. A NME Magazine gostou, talvez por motivos meio obscuros; Sputnikmusic não gostou sob argumentos bem realistas; e a Folha de São Paulo falou mal, mas não disse nada com nada.

Existem duas formas básicas de tomar o novo álbum de Lady Gaga - e, consequentemente, toda a sua carreira até então. A primeira é com ouvidos conscientes, à lá o Sputnikmusic que se irritou com o teor pseudo-educativo do álbum.

Em "Born This Way", Gaga eleva sua sede por fama ao status religioso regurgitando elementos da arte sacra e techno/pop/rock industrial para criar sua própria mitologia, a da Mother Monster. Desta forma, se você é do tipo que presta atenção em letras e tem mais de 20 anos, BTW é uma longa e tediosa viagem. Abusando da filosofia do "seja você mesmo", Lady Gaga eleva-a a um certo dogmatismo quando, em seu mundo, não há outra opção de existência a  não ser "outcast, bullied or teased"; ou seja, quanto mais fora da órbita social você for maior será seu espaço no reino celestial da Mother Monster.

Isso pode ser grande para os little monsters presos na autocomiseração da puberdade; mas se você já deixou de ser adolescente há algum tempo e está inserido na sociedade como toda pessoa normal, com um emprego, faculdade ou, ao menos, um senso pragmático de quem você é e como se comporta... tédio!

Channing Freeman, do Sputnikmusic, nota o quanto a mensagem de Gaga pode ser ridicularizada, ao constatar que ela é baseada numa premissa que, quando adolescentes, a maioria de nós ignora: "Ser você mesmo não é o bastante. Deve-se lembrar que, às vezes, para sê-lo, você tem que mudar." Ele acrescenta que a própria Gaga entra em constante contradição em músicas como Bad Kids e Hair: na primeira ela se assume como uma enfant terrible para ganhar o paraíso, mas acusa os "outros" [pais, bullies, universo] de torná-la assim; e na outra ela se diz tão livre quanto seu cabelo, que pode assumir a forma, cor e tamanho que ela desejar - mas cabelos ficam secos, derretem, caem e morrem se você abusa da falta de limites... ou seja, há um limite.

É como se Gaga, aos seus 25 anos estivesse presa na imaturidade adolescente e estivesse cantando isso aos quatro ventos, como se fosse a verdade da vida. Mas como seguir tais conselhos vindos de uma mulher que, se diz livre em sua auto-expressão, mas tem sempre kilos de maquiagem e outras hiperbólicas toneladas de roupa e produção tanto em sua cara quanto em sua música? Os little monsters mais passados podem até se iludir, mas a grande maioria dos fãs e admiradores de Gaga o são justamente pela loucura de sua imagem, comportamento e forma de fazer sua arte. Não há necessidade de dogmatizar isso num "livro sagrado"/álbum.

Quando ela se coloca como guru espiritual dos bolinados, você, que já superou essa fase, apenas revira os olhos e pensa "shut the fuck up woman!"

Heavy Metal Sagrado

Mas há outro [e mais interessante] modo de analisar "Born This Way": a música e suas referências.

Thales de Menezes, pela Folha de São Paulo, criticou o álbum como "desleixado, sem inspiração, como se todos os envolvidos estivessem ávidos por preencher o número combinado de faixas (14) para sair dali e fazer outra coisa." Mas é só isso que ele tem a dizer? Menezes cai no redundante clichê de comparar Gaga a Madonna, mas nunca desenvolve seu argumento em direção à profundidade.

Numa era de constante regurgitação do passado, é complicado pensar que alguém realmente cria uma nova estética hoje em dia. Dos grandes artistas do século XX que ainda hoje produzem, poucos ou nenhum fazem algo diferente do que sempre fizeram. Talvez, o grande lance deste século seja a ressignificação e nisso Gaga, desde que surgiu, se mostra fenomenal.

Musicalmente, BTW é um álbum que não acrescenta muito à música Pop. Todas as músicas soam coladas de 1992, com elementos óbvios de synth-pop, dance e house do fim da década de oitenta e início da seguinte. Por isso é bem fácil e óbvio compará-la a Madonna ou ao EuroPop da época. Mas isso é preguiçoso, senão estúpido, pois há muito mais impresso neste trabalho.

Neste álbum, Gaga parece obcecada pela fusão entre "corpo humano" e "metal", na criação de uma nova raça. A impressionante capa do disco mostra-a meio homem/meio motocicleta e as próteses faciais que ela tem usado conotam uma severidade da figura humana pós-revolução industrial. A estética é obscura e metálica, indo das lingeries de vinil às impressionantes roupas de látex de Nicola Formicheti para a grife Mugler. Tudo isso está belamente expresso na imagem de Gaga e, também, nas músicas deste disco.

Na construção de sua mitologia, a Mother Monster aplica elementos sacros a pesadas batidas techno-industriais postos num contexto Pop e comercial. E o que líricamente soa forçado, musicalmente é apenas infeccioso. Canções como Government HookerScheiße e Americano têm climas decadentes que remetem à dramaticidade religiosa - tanto nos arranjos quanto na performance vocal de Gaga. Ao contrário do que escrevera Menezes, Gaga e produtores soam muito inspirados na construção de seu próprio mito, flertando com as artes cristãs alemãs e latinas.

Em canções com "Hair" e Bloody Mary ela imprime vocais dramáticos que evocam hinos religiosos amplamente revigorantes e melancólicos. E, como mencionara Dan Martin, para o NME.com, é em faixas sem toda a manipulação do "seja você mesmo" que ela se eleva e brilha intensamente.

The Edge of Glory é provavelmente a melhor faixa do disco; lembrando o estilo de Dance que dera nova decolagem à carreira de Cher em meados dos anos 1990, Gaga emociona com uma performance vocal que te transporta à época em que músicas eram feitas apenas para nos fazer sentir bem - daí vem aquele maravilhoso solo de saxofone do legendário Clarence Clemons, retirando toda a escuridão das faixas precedentes, dando-nos uma sensação de luz realmente paradisíaca.

Na balada Yoü and I a pegada Rock 'n' Roll apresentada meses atrás na turnê Monster Ball é reproduzida sem grandes exageros e distorções: aqui é Lady Gaga, seja ela quem for e apesar de toda sua parafernalha imagética, que ofusca com sua voz e carisma. A esse ponto, se você estiver disposto, tais questões se dissipam e você apenas curte a viagem.

Dancefloor Hooker

Por Lady Gaga ser alguém que se apropria de diversos elementos da Cultura Pop, é muito fácil desmerece-la de maneira superficial. Discursos de cópias e plágios são vazios porque, afinal, o que hoje pode ser chamado de original em estado puro? O grande atrativo de Gaga é expressar suas inúmeras referências de maneira única [e muito mais abrangentes às quais a acusam de copiar].

E se, finalmente, pode-se querer descartá-la por toda a baboseira de suas palavras e discursos, está mais que provado que na pista ela continua empolgando e reinando. "Born This Way" é um álbum que cresce quando simplesmente nos deixamos levar por sua produção ora repetida (Judas - que remete a Bad Romance) ora impecável ("The Edge of Glory"). De todo o caso, é uma obra que se conecta conosco por sua contradição e inegável capacidade de nos instigar.

[Nota: 9]

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Bagunça

Quando seu one-night-stand* entra no seu quarto e tem los cojones para dizer que ele está bagunçado, você sente que tem problemas. Quando minutos depois, durante conversa pré-sexo, ele tem eficientes insights sobre sua personalidade... talvez você seja bem menos misterioso do que imagina.

Daí o problema não é exatamente a pessoa te dizer certas coisas que o bom [?] senso comum não permite (se a bagunça do quarto te incomoda, educadamente levante-se e parta), mas sim o quanto você se abre pra tais situações.

No último sábado, empolgado com o clima de possibilidades da 2a Parada do Orgulho LGBT de Vitória da Conquista, decidi anestesiar as restrições freudianas dos últimos meses e liberar geral. Quando a Parada se tornou um mico bem maior do que o esperado, para mim só restaram os anestésicos: milhares de litros de cerveja, vários baseados e zero restrições.

Após a maravilhosa noite de Reggae, como há muito eu não tinha, proporcionada por Ramanaia, no Viela, eu já estava colocando coisas como "shortinho" e "dedada" na mesma frase. Mas quando, no Zoo, o DJ provou-se digno de meus anestésicos psicológicos, as coisas começaram a acontecer.

Teve o garoto que pega na sua cintura, mas nunca no ponto certo; o povo que você agradece a Jah por estar bêbado e não enxergar muito bem; o garoto que [você conhece e] vem falar contigo, mas você pensa que é outro... e tem o amigo dele, que é quem você realmente está interessado.

Algumas horas e duas doses de vodka barata depois, o sol já está despontando e seus amigos não estão mais no mesmo pique que você. Daí se houvesse bom julgamento em sua mente, você sairia fina e discretamente sem que ninguém percebesse. Mas hey, eu comecei a embebedar meu alter-ego há horas! Levei o boy pra casa.

Não me levem a mal, apesar do alto teor alcoólico e plus, meu discernimento e parâmetros continuavam ótimos - o garoto era uma graça e merecia ser levado para casa. Acontece que ouvir da bagunça do seu quarto - e do seu ser -, de um cara que mal te conhece, afetou mais do que deveria e, durante o loooongo domingo de ressaca, meus pensamentos variavam entre "você TEM que parar de beber desse jeito!" e "estaria a bagunça da minha vida mais evidente do que eu gostaria?"

*pessoa com quem você dorme apenas uma vez e não espera, pelo menos num nível hipotético, repetir...

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Coreógrafa de Lady Gaga admite inspiração em Madonna

Okay, tô pouco me fudendo pra clipagens, mas tô postando issoporque é sempre um assunto que gosto para xingar os outros.


Não acho que imitar Madonna seja o problema.

A própria Madonna construiu sua carreira baseada em maravilhosas imitações, algumas das quais a colocou em problemas com a lei [a canção Frozen foi acusada de plágio na Bélgica e o vídeo de Hollywood é um plágio do trabalho do fotógrafo de moda Guy Bourdin].



Guy Bourdin vs. Madonna

O problema é que toda vez que alguém aparece fazendo algo que Madonna fez [igual ou parecido] no passado, fãs de Madonna parecem esquecer os fatos acima. Assim como Madge tem feito por mais de 25 anos, Lady Gaga tem pegado referências culturais e as colocado em lugares e contextos diferentes - e, mais uma vez, como Madonna, algumas vezes funciona perfeitamente [o vídeo de Telephone], outras nem tanto [Judas].

O que é o vídeo de Material Girl senão uma imitação do filme de Marilyn Monroe recolocado e ressignificado na sociedade yuppie dos anos 1980?

Quanto aos fãs de Gaga, estes precisam se tocar que ao invés de se defenderem como imbecís quando Gaga é acusada de imitação, devem procurar conhecer as referências dela, saberem de onde vêm e de que forma são ressignificações e não meros plágios - ou seja, entender onde e como o trabalho de Gaga é diferente da fonte e porque isso faz dele um bom trabalho.

Finalmente, como um fã de ambas, admito que fãs tendem a defender seus ídolos ao ponto da estupidez; mas a imprensa  botar lenha numa fogueira idiota é puramente irritante.

Fontes:
Notícia - Lady Obama
Fotos Madonna vs Guy Bourdin - The Smoking Gun