sábado, 28 de maio de 2011

Heavy Metal Gaga


Born This Way [BTW] foi lançado segunda-feira e - durante o tempo que tive de uma semana freneticona - li críticas interessantes. A NME Magazine gostou, talvez por motivos meio obscuros; Sputnikmusic não gostou sob argumentos bem realistas; e a Folha de São Paulo falou mal, mas não disse nada com nada.

Existem duas formas básicas de tomar o novo álbum de Lady Gaga - e, consequentemente, toda a sua carreira até então. A primeira é com ouvidos conscientes, à lá o Sputnikmusic que se irritou com o teor pseudo-educativo do álbum.

Em "Born This Way", Gaga eleva sua sede por fama ao status religioso regurgitando elementos da arte sacra e techno/pop/rock industrial para criar sua própria mitologia, a da Mother Monster. Desta forma, se você é do tipo que presta atenção em letras e tem mais de 20 anos, BTW é uma longa e tediosa viagem. Abusando da filosofia do "seja você mesmo", Lady Gaga eleva-a a um certo dogmatismo quando, em seu mundo, não há outra opção de existência a  não ser "outcast, bullied or teased"; ou seja, quanto mais fora da órbita social você for maior será seu espaço no reino celestial da Mother Monster.

Isso pode ser grande para os little monsters presos na autocomiseração da puberdade; mas se você já deixou de ser adolescente há algum tempo e está inserido na sociedade como toda pessoa normal, com um emprego, faculdade ou, ao menos, um senso pragmático de quem você é e como se comporta... tédio!

Channing Freeman, do Sputnikmusic, nota o quanto a mensagem de Gaga pode ser ridicularizada, ao constatar que ela é baseada numa premissa que, quando adolescentes, a maioria de nós ignora: "Ser você mesmo não é o bastante. Deve-se lembrar que, às vezes, para sê-lo, você tem que mudar." Ele acrescenta que a própria Gaga entra em constante contradição em músicas como Bad Kids e Hair: na primeira ela se assume como uma enfant terrible para ganhar o paraíso, mas acusa os "outros" [pais, bullies, universo] de torná-la assim; e na outra ela se diz tão livre quanto seu cabelo, que pode assumir a forma, cor e tamanho que ela desejar - mas cabelos ficam secos, derretem, caem e morrem se você abusa da falta de limites... ou seja, há um limite.

É como se Gaga, aos seus 25 anos estivesse presa na imaturidade adolescente e estivesse cantando isso aos quatro ventos, como se fosse a verdade da vida. Mas como seguir tais conselhos vindos de uma mulher que, se diz livre em sua auto-expressão, mas tem sempre kilos de maquiagem e outras hiperbólicas toneladas de roupa e produção tanto em sua cara quanto em sua música? Os little monsters mais passados podem até se iludir, mas a grande maioria dos fãs e admiradores de Gaga o são justamente pela loucura de sua imagem, comportamento e forma de fazer sua arte. Não há necessidade de dogmatizar isso num "livro sagrado"/álbum.

Quando ela se coloca como guru espiritual dos bolinados, você, que já superou essa fase, apenas revira os olhos e pensa "shut the fuck up woman!"

Heavy Metal Sagrado

Mas há outro [e mais interessante] modo de analisar "Born This Way": a música e suas referências.

Thales de Menezes, pela Folha de São Paulo, criticou o álbum como "desleixado, sem inspiração, como se todos os envolvidos estivessem ávidos por preencher o número combinado de faixas (14) para sair dali e fazer outra coisa." Mas é só isso que ele tem a dizer? Menezes cai no redundante clichê de comparar Gaga a Madonna, mas nunca desenvolve seu argumento em direção à profundidade.

Numa era de constante regurgitação do passado, é complicado pensar que alguém realmente cria uma nova estética hoje em dia. Dos grandes artistas do século XX que ainda hoje produzem, poucos ou nenhum fazem algo diferente do que sempre fizeram. Talvez, o grande lance deste século seja a ressignificação e nisso Gaga, desde que surgiu, se mostra fenomenal.

Musicalmente, BTW é um álbum que não acrescenta muito à música Pop. Todas as músicas soam coladas de 1992, com elementos óbvios de synth-pop, dance e house do fim da década de oitenta e início da seguinte. Por isso é bem fácil e óbvio compará-la a Madonna ou ao EuroPop da época. Mas isso é preguiçoso, senão estúpido, pois há muito mais impresso neste trabalho.

Neste álbum, Gaga parece obcecada pela fusão entre "corpo humano" e "metal", na criação de uma nova raça. A impressionante capa do disco mostra-a meio homem/meio motocicleta e as próteses faciais que ela tem usado conotam uma severidade da figura humana pós-revolução industrial. A estética é obscura e metálica, indo das lingeries de vinil às impressionantes roupas de látex de Nicola Formicheti para a grife Mugler. Tudo isso está belamente expresso na imagem de Gaga e, também, nas músicas deste disco.

Na construção de sua mitologia, a Mother Monster aplica elementos sacros a pesadas batidas techno-industriais postos num contexto Pop e comercial. E o que líricamente soa forçado, musicalmente é apenas infeccioso. Canções como Government HookerScheiße e Americano têm climas decadentes que remetem à dramaticidade religiosa - tanto nos arranjos quanto na performance vocal de Gaga. Ao contrário do que escrevera Menezes, Gaga e produtores soam muito inspirados na construção de seu próprio mito, flertando com as artes cristãs alemãs e latinas.

Em canções com "Hair" e Bloody Mary ela imprime vocais dramáticos que evocam hinos religiosos amplamente revigorantes e melancólicos. E, como mencionara Dan Martin, para o NME.com, é em faixas sem toda a manipulação do "seja você mesmo" que ela se eleva e brilha intensamente.

The Edge of Glory é provavelmente a melhor faixa do disco; lembrando o estilo de Dance que dera nova decolagem à carreira de Cher em meados dos anos 1990, Gaga emociona com uma performance vocal que te transporta à época em que músicas eram feitas apenas para nos fazer sentir bem - daí vem aquele maravilhoso solo de saxofone do legendário Clarence Clemons, retirando toda a escuridão das faixas precedentes, dando-nos uma sensação de luz realmente paradisíaca.

Na balada Yoü and I a pegada Rock 'n' Roll apresentada meses atrás na turnê Monster Ball é reproduzida sem grandes exageros e distorções: aqui é Lady Gaga, seja ela quem for e apesar de toda sua parafernalha imagética, que ofusca com sua voz e carisma. A esse ponto, se você estiver disposto, tais questões se dissipam e você apenas curte a viagem.

Dancefloor Hooker

Por Lady Gaga ser alguém que se apropria de diversos elementos da Cultura Pop, é muito fácil desmerece-la de maneira superficial. Discursos de cópias e plágios são vazios porque, afinal, o que hoje pode ser chamado de original em estado puro? O grande atrativo de Gaga é expressar suas inúmeras referências de maneira única [e muito mais abrangentes às quais a acusam de copiar].

E se, finalmente, pode-se querer descartá-la por toda a baboseira de suas palavras e discursos, está mais que provado que na pista ela continua empolgando e reinando. "Born This Way" é um álbum que cresce quando simplesmente nos deixamos levar por sua produção ora repetida (Judas - que remete a Bad Romance) ora impecável ("The Edge of Glory"). De todo o caso, é uma obra que se conecta conosco por sua contradição e inegável capacidade de nos instigar.

[Nota: 9]

3 comentários:

Dannillo Lima Rocha disse...

tipo. amei. preciso dizer mais nada não. rs

Marco Antonio disse...

dispenso a mother monster, os little monsters, os discursos repetidos, as referências exageradas, a atitude pouco sexy, andrógina demais, quase irreconhecível nessa concepção do extremo do ser humano da era pós-industrial e fico tão-somente com as múcias ótimas do disco, simplesmente pq elas me dão vontade de dançar. e pq me fez lembrar de uma memória q não se desloca, algo como Bonnie Tyler, ou o fim da década de 80 e início de 90, pq são recortes e sensações pessoais. bjo quirita.

Tamara disse...

Vou usar uma máxima usada por aí: O freak é o novo cult. Só não sei se gosto disso... Massss, viva a mother monster por nos mostrar isso! Artigo ótimo.. Destrinchou mesmo hein esse menino?!